terça-feira, 17 de agosto de 2021

"Justiça Social" e "Direitos Sociais" (Hayek)

No livro Arrogância fatal. Hayek.

(Pode parecer uma conclusão chocante para quem cresceu ouvindo sobre esses termos na universidade e na mídia como os objetivos da educação, da profissão e da ciência. Mas é preciso entender o fundamento do raciocínio de Hayek que talvez não seja compreensível de maneira tão sucinta.)


 "Justiça Social" e "Direitos Sociais"


A pior maneira de empregar o adjetivo ''social'', termo que destrói

totalmente o significado de qualquer palavra que qualifica, é a expressão

de uso quase que universal "justiça social". Embora já tenha tratado

dessa questão com certa minuciosidade, principalmente no segundo

volume de A Miragem da Justiça Social, no livro Direito. Legislação e

Liberdade, preciso voltar ainda que sucintamente à questão, pois ela

desempenha um papel importante nos argumentos a favor e contra o

socialismo. A expressão ''justiça social'', como um ilustre indivíduo

mais corajoso do que eu disse rudemente, sem muitas cerimônias há

muito tempo, não passa de ''um logro semântico da mesma espécie de

democracia popular'' (Curran, 1958:8). O grau alarmante em que o termo

já parece ter pervertido o pensamento da geração mais jovem está

demonstrado numa recente tese de um doutor de Oxford, 'Social Justice '

(Miller, 1976), na qual se faz referência ao conceito tradicional de justiça

com a extraordinária observação de que ''parece existir uma categoria

de justiça privada''.

Já vi sugerido que ''social'' se aplica a tudo que reduz ou acaba com

as diferenças de renda. Mas, por que chamar essa ação "social"? Talvez

por ser um método para garantir maiorias, ou seja, mais votos do que

esperamos obter por outras razões? Parece que é assim mesmo, mas

também significa, é claro, que toda exortação para que sejamos'' sociais''

é um apelo para que se avance rumo à "justiça social" do socialismo.160

A Arrogância Fatal

Portanto, o emprego do termo' 'social'' torna-se praticamente equivalen-

te à exortação à' 'justiça distributiva''. No entanto, isto é irreconciliável

com uma ordem de mercado competitiva e com o desenvolvimento ou

até mesmo a manutenção da população e da riqueza. Assim, por causa

destes erros, as pessoas passaram a chamar "social" o que constitui o

principal obstáculo à própria manutenção da "sociedade". O "social"

deveria em realidade ser chamado · 'anti -social''.

Provavelmente é verdade que os homens seriam mais felizes em

termos de suas condições econômicas, se sentissem que as posições

relativas dos indivíduos são justas. Contudo, todo o conceito contido na

expressão justiça distributiva- pela qual cada indivíduo deveria receber

o que moralmente merece - está desprovido de sentido na ordem

espontânea da cooperação humana (ou da catalaxis ), porque o produto

disponível (sua dimensão e inclusive sua existência) depende em certo

sentido de uma forma moralmente indiferente de alocar suas partes. Por

razões já examinadas, o deserto moral não pode ser determinado objeti-

vamente. e em todo caso a adaptação do todo maior aos fatos a serem

descobertos exige que aceitemos que'' sucesso se baseia nos resultados,

não na motivação" (Alchian, 1950:213). Qualquer sistema amplo de

cooperação deve se adaptar constantemente às mudanças de seu meio

natural (que inclui a vida, a saúde e a força de seus membros); é ridículo

exigir que só devam ocorrer mudanças cujo efeito seja justo. Quase tão

ridículo quanto a convicção de que a organização deliberada da resposta

a tais mudanças possa ser justa. A humanidade nem poderia ter alcançado

e tampouco manter agora sua dimensão atual sem uma desigualdade que

não é determinada nem se concilia com qualquer juízo moral deliberado.

O esforço evidentemente melhorará as chances individuais, mas o esforço

apenas não pode garantir resultados. A inveja daqueles que se esforçaram

com o mesmo afinco, embora plenamente compreensível, contraria o

interesse comum. Portanto, se o interesse comum é realmente nosso

interesse, não devemos ceder a este aspecto instintivo bastante humano,

mas ao contrário, permitir que o processo de mercado determine a

recompensa. Ninguém pode avaliar, salvo por intermédio do mercado, a

dimensão de uma contribuição individual ao produto global, tampouco

seria possível determinar, de outro modo, que remuneração deve ser

proposta a alguém para que possa escolher a atividade mediante a qual

poderá prestar uma contribuição maior ao fluxo de bens e serviços

oferecidos em conjunto. É claro que se estes últimos são considerados

moralmente bons, o mercado passa a produzir um resultado suprema-

mente moral. A humanidade está dividida em dois grupos hostis por

promessas que não têm um conteúdo realizável. Os motivos desse

conflito não podem ser dissipados pelo compromisso, pois toda concessão

 ao erro factual simplesmente cria novas expectativas irrealizáveis.

Contudo, uma ética anticapitalista continua evoluindo sobre a base de

erros cometidos por pessoas que condenam as instituições geradoras de

riqueza às quais elas próprias devem sua existência. Fingindo-se amigas

da liberdade elas condenam a propriedade particular, o contrato, a

concorrência: a propaganda, o lucro, e até o dinheiro. Imaginando que

sua razão pode lhes dizer como organizar os esforços humanos para

atender melhor aos seus desejos inatos, elas representam uma grave

ameaça à civilização.

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