No livro Arrogância fatal. Hayek.
(Pode parecer uma conclusão chocante para quem cresceu ouvindo sobre esses termos na universidade e na mídia como os objetivos da educação, da profissão e da ciência. Mas é preciso entender o fundamento do raciocínio de Hayek que talvez não seja compreensível de maneira tão sucinta.)
"Justiça Social" e "Direitos Sociais"
A pior maneira de empregar o adjetivo ''social'', termo que destrói
totalmente o significado de qualquer palavra que qualifica, é a expressão
de uso quase que universal "justiça social". Embora já tenha tratado
dessa questão com certa minuciosidade, principalmente no segundo
volume de A Miragem da Justiça Social, no livro Direito. Legislação e
Liberdade, preciso voltar ainda que sucintamente à questão, pois ela
desempenha um papel importante nos argumentos a favor e contra o
socialismo. A expressão ''justiça social'', como um ilustre indivíduo
mais corajoso do que eu disse rudemente, sem muitas cerimônias há
muito tempo, não passa de ''um logro semântico da mesma espécie de
democracia popular'' (Curran, 1958:8). O grau alarmante em que o termo
já parece ter pervertido o pensamento da geração mais jovem está
demonstrado numa recente tese de um doutor de Oxford, 'Social Justice '
(Miller, 1976), na qual se faz referência ao conceito tradicional de justiça
com a extraordinária observação de que ''parece existir uma categoria
de justiça privada''.
Já vi sugerido que ''social'' se aplica a tudo que reduz ou acaba com
as diferenças de renda. Mas, por que chamar essa ação "social"? Talvez
por ser um método para garantir maiorias, ou seja, mais votos do que
esperamos obter por outras razões? Parece que é assim mesmo, mas
também significa, é claro, que toda exortação para que sejamos'' sociais''
é um apelo para que se avance rumo à "justiça social" do socialismo.160
A Arrogância Fatal
Portanto, o emprego do termo' 'social'' torna-se praticamente equivalen-
te à exortação à' 'justiça distributiva''. No entanto, isto é irreconciliável
com uma ordem de mercado competitiva e com o desenvolvimento ou
até mesmo a manutenção da população e da riqueza. Assim, por causa
destes erros, as pessoas passaram a chamar "social" o que constitui o
principal obstáculo à própria manutenção da "sociedade". O "social"
deveria em realidade ser chamado · 'anti -social''.
Provavelmente é verdade que os homens seriam mais felizes em
termos de suas condições econômicas, se sentissem que as posições
relativas dos indivíduos são justas. Contudo, todo o conceito contido na
expressão justiça distributiva- pela qual cada indivíduo deveria receber
o que moralmente merece - está desprovido de sentido na ordem
espontânea da cooperação humana (ou da catalaxis ), porque o produto
disponível (sua dimensão e inclusive sua existência) depende em certo
sentido de uma forma moralmente indiferente de alocar suas partes. Por
razões já examinadas, o deserto moral não pode ser determinado objeti-
vamente. e em todo caso a adaptação do todo maior aos fatos a serem
descobertos exige que aceitemos que'' sucesso se baseia nos resultados,
não na motivação" (Alchian, 1950:213). Qualquer sistema amplo de
cooperação deve se adaptar constantemente às mudanças de seu meio
natural (que inclui a vida, a saúde e a força de seus membros); é ridículo
exigir que só devam ocorrer mudanças cujo efeito seja justo. Quase tão
ridículo quanto a convicção de que a organização deliberada da resposta
a tais mudanças possa ser justa. A humanidade nem poderia ter alcançado
e tampouco manter agora sua dimensão atual sem uma desigualdade que
não é determinada nem se concilia com qualquer juízo moral deliberado.
O esforço evidentemente melhorará as chances individuais, mas o esforço
apenas não pode garantir resultados. A inveja daqueles que se esforçaram
com o mesmo afinco, embora plenamente compreensível, contraria o
interesse comum. Portanto, se o interesse comum é realmente nosso
interesse, não devemos ceder a este aspecto instintivo bastante humano,
mas ao contrário, permitir que o processo de mercado determine a
recompensa. Ninguém pode avaliar, salvo por intermédio do mercado, a
dimensão de uma contribuição individual ao produto global, tampouco
seria possível determinar, de outro modo, que remuneração deve ser
proposta a alguém para que possa escolher a atividade mediante a qual
poderá prestar uma contribuição maior ao fluxo de bens e serviços
oferecidos em conjunto. É claro que se estes últimos são considerados
moralmente bons, o mercado passa a produzir um resultado suprema-
mente moral. A humanidade está dividida em dois grupos hostis por
promessas que não têm um conteúdo realizável. Os motivos desse
conflito não podem ser dissipados pelo compromisso, pois toda concessão
ao erro factual simplesmente cria novas expectativas irrealizáveis.
Contudo, uma ética anticapitalista continua evoluindo sobre a base de
erros cometidos por pessoas que condenam as instituições geradoras de
riqueza às quais elas próprias devem sua existência. Fingindo-se amigas
da liberdade elas condenam a propriedade particular, o contrato, a
concorrência: a propaganda, o lucro, e até o dinheiro. Imaginando que
sua razão pode lhes dizer como organizar os esforços humanos para
atender melhor aos seus desejos inatos, elas representam uma grave
ameaça à civilização.
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