Bertrand Russell. Ensaios céticos.
Psicologia e política
Discutirei neste ensaio o tipo de efeitos que a psicologia terá em breve na política. Proponho abordar tanto os possíveis efeitos positivos quanto os prováveis efeitos perniciosos.
As opiniões políticas não se baseiam na razão. Mesmo um assunto tão técnico como o retorno do padrão-ouro foi determinado fundamentalmente por sentimento e, de acordo com os psicanalistas, esse sentimento não pode ser mencionado em uma sociedade instruída. Agora, os sentimentos de um adulto compõem-se de um núcleo de instinto rodeado por um amplo invólucro de educação. Um dos caminhos pelos quais a educação atua é pela influência na imaginação. Todos querem ver-se a si mesmos como boas pessoas e, assim, seus esforços, tais como suas ilusões, são influenciados pelo que considera o melhor possível para atingir seu objetivo. Penso que o estudo da psicologia pode alterar nossa concepção de uma “pessoa boa”; caso isso aconteça, é óbvio que seus efeitos na política serão profundos. Duvido que alguém que tenha aprendido psicologia moderna na juventude possa parecer-se ao falecido lorde Curzon ou ao atual bispo de Londres.
No tocante à ciência, há dois tipos de efeitos que devemos observar. Por um lado, os especialistas podem realizar invenções ou descobertas passíveis de serem utilizadas pelos detentores do poder. Por outro, a ciência é capaz de influenciar a imaginação e, desse modo, alterar as analogias e as expectativas das pessoas. Existe, estritamente falando, um terceiro tipo de efeito, ou seja, uma mudança na maneira de viver com todas as conseqüências dos avanços científicos. No caso da física, todas as três classes de efeitos são, hoje, claramente desenvolvidas. A primeira é ilustrada pelos aviões, a segunda pela visão mecanicista da vida, e a terceira pela substituição, por grande parte da população, da agricultura e do campo pela indústria e pela vida urbana. No caso da psicologia, ainda dependemos de profecia no que concerne à maioria dos seus efeitos. A profecia é sempre temerária, porém é mais acentuada com relação aos efeitos do primeiro e do terceiro tipos do que àqueles que dependam de uma mudança da perspectiva imaginativa. Portanto, falarei primeiro e com mais relevância sobre os efeitos deste último ponto de vista.
Algumas poucas palavras referentes a outros períodos da história podem ajudar a criar o cenário. Na Idade Média, cada questão política era determinada por argumentos teológicos, que assumiam a forma de analogias. A controvérsia predominante era entre o papa e o imperador: definiu-se que o papa simbolizava o Sol e o imperador a Lua e, então, o papa venceu. Seria um erro argumentar que o papa venceu porque tinha exércitos melhores; ele obteve seus exércitos pelo poder persuasivo da analogia Sol-e-Lua e com os frades franciscanos atuando como sargentos recrutadores. Isso é o tipo de ação que na verdade movimenta massas humanas e decide eventos importantes. Nos dias de hoje, algumas pessoas pensam que a sociedade é uma máquina e outras a vêem como uma árvore. As primeiras são os fascistas, os imperialistas, os industriais, os bolcheviques; as segundas são os constitucionalistas, agrarianistas ou os pacifistas. O argumento é tão absurdo como o dos guelfos e dos guibelinos, visto que a sociedade não é nem uma máquina nem uma árvore.
Com a Renascença, vivenciamos uma nova influência, a da literatura, em especial da literatura clássica. Isso continua até hoje, sobretudo entre aqueles que ingressam nas escolas públicas e nas antigas universidades. Quando o professor Gilbert Murray tem de formar uma opinião acerca de uma questão política, percebe-se que sua primeira reação é se questionar: “O que Eurípides disse sobre esse assunto?”. Mas essa visão não é mais dominante no mundo. Predominou na Renascença e ao longo do século XVIII até a Revolução Francesa. Os oradores revolucionários apelavam constantemente para os brilhantes exemplos de virtude dos romanos, e imaginavam-se vestidos com togas. Escritores como Montesquieu e Rousseau tiveram uma influência ainda não superada por qualquer escritor. Pode-se dizer que a Constituição Americana representa a concepção de Montesquieu para a Constituição Britânica. Não tenho conhecimentos jurídicos suficientes para delinear a influência que a admiração por Roma exerceu no Código Napoleônico.
Com a Revolução Industrial, avançamos para uma nova era – a era da física. Cientistas, em especial Galileu e Newton, prepararam caminho para essa nova época, mas o que veio à luz foi a personificação da ciência na técnica econômica. A máquina é um objeto muito peculiar: funciona de acordo com as leis científicas conhecidas (de outra forma não seria construída) para um propósito definido externamente e diz respeito ao homem, em geral, com a vida física deste. Sua relação com o homem é a mesma que o mundo tinha com Deus na teologia calvinista; talvez tenha sido por isso que o industrialismo foi criado pelos protestantes e pelos não-conformistas, e não pelos anglicanos. A analogia da máquina teve um profundo efeito em nosso pensamento. Falamos de uma visão “mecânica” do mundo, uma explanação “mecânica” e assim por diante, significando nominalmente uma explanação em termos de leis físicas, mas introduzindo, talvez de modo inconsciente, o aspecto teológico de uma máquina, ou seja, sua devoção a um fim externo. Assim, se a sociedade é uma máquina, pensamos que ela tem um propósito externo. Não mais nos satisfazemos em afirmar que ela existe pela glória de Deus, porém é fácil achar sinônimos para Deus tais como: o Bank of England, o Império Britânico, a Standard Oil Company, o Partido Comunista, etc. Nossas guerras são conflitos entre esses sinônimos – é a analogia medieval Sol-e-Lua de novo.
O poder da física deveu-se ao fato de ser uma ciência muito precisa, que alterou profundamente a vida cotidiana. Mas essa alteração originou-se pela atuação no ambiente, não no homem em si. Caso houvesse uma ciência igualmente definida e capaz de modificar o homem de forma direta, a física restaria na sombra. Isso é o que pode ocorrer com a psicologia. Até há pouco tempo, a psicologia era uma verborragia filosófica sem importância – o saber acadêmico que estudei na juventude não merecia ter sido aprendido. Mas agora existem dois modos de abordar a psicologia que são, sem dúvida, relevantes: o dos fisiologistas e o dos psicanalistas. À medida que os resultados nessas duas direções tornam-se mais precisos e corretos, torna-se evidente que a psicologia irá dominar cada vez mais a perspectiva do homem.
Vamos examinar o caso da educação. Antigamente, pensava-se que a educação deveria começar por volta dos oito anos, com o aprendizado das declinações latinas; o que aconteceria depois era considerado sem importância. Esse ponto de vista, na essência, parece ainda predominante no Partido Trabalhista, que quando no poder, interessou-se muito mais em aperfeiçoar a educação após os quatorze anos do que em criar escolas maternais. Com a concentração na educação tardia surgiu um certo pessimismo quanto aos seus poderes: pensava-se que tudo o que ela poderia realizar seria preparar um homem para ganhar seu sustento. No entanto, a tendência científica atribui mais poder à educação do que no passado, só que começando muito cedo. Os psicanalistas a iniciariam ao nascer; os biólogos, ainda mais cedo. É possível educar um peixe a ter um olho no meio em vez de dois olhos, um de cada lado (Jennings, Prometheus, p. 60). Mas para obter esse resultado é preciso começar bem antes do seu nascimento. Até agora, existem dificuldades em relação à educação pré-natal dos mamíferos, porém é provável que sejam superadas.
Contudo, você poderá objetar que estou usando o termo “educação” em um sentido muito bizarro. O que há em comum entre deformar um peixe e ensinar a um menino gramática latina? Devo dizer que me parecem muito similares: ambos são danos desumanos infligidos pelo prazer da experimentação. Talvez, entretanto, isso dificilmente seja uma definição da educação. A essência da educação é que há uma mudança (outra que não a morte) efetuada em um organismo para satisfazer às aspirações do executor. É claro, o executante diz que seu desejo é proporcionar uma condição melhor para o aluno, mas essa afirmação não representa qualquer fato verificável de modo objetivo.
Hoje, existem muitas maneiras de modificar um organismo. Pode-se mudar sua anatomia, como no caso do peixe que perdeu um olho, ou no de um homem que perdeu o apêndice. É possível alterar seu metabolismo, por exemplo, com medicamentos, e mudar seus hábitos ao criar associações. A instrução comum é um aspecto particular desta última proposição. Atualmente, tudo na educação, com exceção da instrução, é mais fácil de executar quando o organismo é muito jovem, pois é maleável. Em seres humanos, o tempo importante para a educação é o da concepção até ao final do quarto ano. Mas, como já observei, a educação pré-natal ainda não é possível, embora venha a ser factível antes do final deste século.
Existem dois métodos principais para a educação infantil prematura: um por meio de químicas e o outro por sugestão. Quando digo “químicas” talvez seja visto como um materialista indevido. No entanto, ninguém pensaria isso se eu houvesse falado “É claro que uma mãe cuidadosa daria ao bebê uma dieta mais completa disponível”, que é apenas uma maneira mais longa de dizer a mesma coisa. Contudo, estou interessado em possibilidades mais ou menos sensacionais. É possível constatar que o acréscimo de remédios adequados à dieta, ou a injeção intravenosa de substâncias corretas aumentarão a inteligência ou modificarão a natureza emocional. Todos conhecemos a conexão entre o retardo mental grave e a ausência de iodo. Talvez vejamos que os homens inteligentes foram aqueles que, na tenra infância, ingeriram pequenas quantidades de algum composto raro em sua dieta devido à falta de limpeza nos potes e panelas. Ou talvez a dieta da mãe durante a gestação tenha sido o fator decisivo. Desconheço esse assunto; somente observo que sabemos mais sobre a educação de salamandras do que sobre a dos seres humanos, sobretudo porque não imaginamos que salamandras têm almas.
O lado psicológico de uma educação prematura não pode ser estimulado antes do nascimento, uma vez que diz respeito à formação de hábitos, e hábitos adquiridos antes do nascimento são, na maioria, inúteis depois. Mas penso que, sem dúvida, existe enorme influência dos primeiros anos na formação do caráter. Há uma certa oposição, para mim bastante desnecessária, entre aqueles que acreditam em intervir na mente através do corpo, e os que crêem em tratá-la de modo direto. O médico ultrapassado, embora seja um cristão convicto, tende a ser materialista; segundo ele, os estados mentais são provocados por causas físicas e devem ser curados pela eliminação dessas causas. O psicanalista, ao contrário, sempre procura as causas psicológicas e tenta exercer ação sobre elas. Toda essa questão alia-se ao dualismo mente e matéria, o que considero um erro. Algumas vezes é mais fácil descobrir o tipo de antecedente, o qual chamamos de físico; em outras, o que denominamos de causa psicológica pode ser descoberta com mais facilidade. Entretanto, suponho que ambas sempre existiram, e que é racional lidar com a que se descobrir com mais facilidade em um caso particular. Não há inconsistência em tratar um caso com a administração de iodo e o outro curando a fobia.
Ao tentar ter uma visão psicológica da política, é natural que comecemos a procurar os impulsos fundamentais dos seres humanos comuns e as maneiras pelas quais eles podem ser desenvolvidos pelo ambiente que os cerca. Há cem anos, os economistas ortodoxos pensavam que a cobiça era o único motivo de preocupação de um político; esse ponto de vista foi adotado por Marx e formou a base de sua interpretação econômica da história. Advém naturalmente da física e do industrialismo: foi a conseqüência da dominação criativa da física em nossa época. Agora, é apoiado pelos capitalistas e comunistas e por todas as instituições e pessoas respeitáveis, tais como o Times ou os magistrados que manifestam uma surpresa total quando mulheres jovens sacrificam seus rendimentos para casar com homens desempregados. De acordo com o ponto de vista vigente, a felicidade é proporcional à renda, e uma mulher solteira idosa deve ser mais feliz do que uma mulher pobre casada. A fim de tornar isso realidade, fazemos todo o possível para infligir sofrimento a esta última.
Em oposição à ortodoxia e ao marxismo, a psicanálise declara que o impulso fundamental é o sexo. Ganância, dizem, é um desenvolvimento mórbido de uma certa perversão sexual. É óbvio que as pessoas que acreditam nessa premissa agirão de modo muito diferente daquelas que têm um ponto de vista econômico. Todas as pessoas, exceto determinados casos patológicos, desejam ser felizes, mas a maioria aceita alguma teoria atual acerca do que consiste a felicidade. Se as pessoas pensam que a riqueza constitui felicidade, elas não se comportarão em relação ao sexo como algo essencial. Não creio que essas perspectivas sejam de todo verdadeiras, mas com certeza penso que a última é menos prejudicial. O que emerge é a importância de uma teoria correta do que constitui a felicidade. Se uma teoria errada prevalecer, os homens bem-sucedidos serão infelizes sem saber o motivo. Esse fato os enraivece e os leva a desejar o massacre dos homens jovens a quem invejam de modo inconsciente. Grande parte da política moderna baseada em especial na economia tem origem, na verdade, na ausência da satisfação dos instintos; e essa falta, por sua vez, é enormemente devida a uma falsa psicologia popular.
Não creio que o sexo preencha todas as premissas. Na política, sobretudo, o sexo é muito importante quando reprimido. Na guerra, as solteironas desenvolvem uma ferocidade em parte atribuída à indignação aos jovens que as negligenciaram. Elas são também absurdamente belicosas. Lembro-me que logo após o Armistício ao cruzar a ponte Saltash de trem vi muitos navios de guerra ancorados embaixo. Duas solteironas idosas no vagão voltaram-se uma para outra e murmuraram: “Não é triste vê-los ociosos!”. Mas o sexo satisfeito cessa de influenciar em demasia a política. Cabe mencionar que tanto a fome quanto a sede exercem uma ascendência maior do ponto de vista político. A criação dos filhos é extremamente importante em razão da relevância da família; Rivers sugere até mesmo que isso é a fonte da propriedade privada. Porém, nem a paternidade nem a maternidade podem ser confundidas com sexo.
Além dos impulsos que servem à preservação e à propagação da vida, há outros que dizem respeito ao que podemos chamar de Glória: amor ao poder, vaidade e rivalidade. Esses ímpetos, é óbvio, exercem um grande papel na política. Se a política algum dia permitir uma vida tolerável, esses impulsos gloriosos devem ser controlados e ensinados a ocupar apenas o lugar que lhes cabe.
Nossos impulsos fundamentais não são nem bons nem ruins: na verdade, são eticamente neutros. A educação deve ter como objetivo moldá-los de modo benéfico. O antigo método, ainda adorado pelos cristãos, era o de reprimir o instinto; o novo método consiste em treiná-lo. Como, por exemplo, o amor ao poder: é inútil pregar a humildade cristã, que só leva o impulso a tomar formas hipócritas. O que deve ser feito é prover alternativas benéficas para ele. O impulso original intrínseco pode ser correspondido de milhares de maneiras – opressão, política, negócios, arte, ciência, todos o satisfazem quando praticados com sucesso. Um homem escolherá a saída para seu amor ao poder que corresponda à sua capacidade; de acordo com o tipo de formação que lhe foi dado na juventude, ele escolherá uma ocupação ou outra. A finalidade de nossas escolas públicas é a de ensinar a técnica da opressão e nada mais; por conseguinte, elas formam homens que assumem o fardo do homem de raça branca. Mas se esses homens pudessem se dedicar à ciência, muitos deles iriam preferi-la. Das duas atividades que um homem dominou ele, em geral, preferirá a mais difícil; nenhum jogador de xadrez jogará jogos medíocres. Desse modo, a aptidão pode contribuir para a virtude.
Como outra ilustração, vejamos o medo. Rivers enumera quatro tipos de reação ao perigo, cada uma delas apropriada em determinadas circunstâncias:
I Medo e Fuga;
II Raiva e Luta;
III Atividade manipuladora;
IV Paralisia;
É óbvio que a terceira reação é a melhor, mas ela requer um tipo apropriado de habilidade. A segunda é louvada pelos militares, professores, bispos, etc. sob o nome de “coragem”. Qualquer classe governante visa a fomentá-la em seus próprios membros, assim como a disseminar o medo e a fuga na população. Então as mulheres são, até os dias de hoje, cuidadosamente treinadas para serem medrosas. E constata-se ainda no trabalho um complexo de inferioridade, que assume a forma de esnobismo e submissão social.
É extremamente assustador pensar que a psicologia colocará novas armas nas mãos dos detentores do poder. Eles serão capazes de inculcar timidez e docilidade, e tornar as massas cada vez mais semelhantes a animais domésticos. Quando menciono os detentores do poder, não estou me referindo apenas aos capitalistas – incluo todos os funcionários, mesmo os dos sindicatos e dos partidos trabalhistas. Cada funcionário, cada homem em uma posição de autoridade quer que seus seguidores sejam dóceis; indigna-se quando seus adeptos insistem em ter suas próprias idéias sobre que constitui a felicidade para eles, em vez de serem gratos pelo que ele é capaz o suficiente de prover. No passado, o princípio da hereditariedade assegurava que muitas das classes governadas deveriam ser preguiçosas e incompetentes, o que dava a outras uma oportunidade. Porém, se a classe governada deve recrutar os mais enérgicos de cada geração, que ascenderiam por seus próprios esforços, a perspectiva para os mortais comuns é lúgubre. É penoso constatar como neste mundo alguém possa defender os direitos dos preguiçosos, isto é, aqueles que não desejam interferir na vida de outras pessoas. Parece que pessoas calmas terão de aprender o destemor e a energia na juventude para ter alguma chance em um mundo onde todo o poder é a recompensa do arrojo e da firmeza dos atos. Talvez a democracia seja uma fase passageira; nesse caso, a psicologia servirá para fortalecer as cadeias dos servos. Esse fato faz com que seja importante salvaguardar a democracia antes que a técnica da opressão seja aperfeiçoada.
Retornando aos três efeitos da ciência que enumerei no início, é claro que não podemos imaginar que uso os detentores do poder farão da psicologia, até que saibamos que espécie de governo teremos. A psicologia, como qualquer outra ciência, disponibilizará novas armas nas mãos das autoridades, em especial as armas da educação e da propaganda, ambas que, por meio de uma técnica psicológica mais refinada, podem chegar ao ponto de se tornar praticamente irresistíveis. Se os detentores do poder desejarem a paz, eles serão capazes de produzir uma população pacífica; na guerra, uma população belicosa. Se desejarem gerar inteligência, conseguirão; do mesmo modo, a estupidez. Nesse contexto, portanto, a profecia é impossível.
Quanto ao efeito da psicologia na imaginação, existirão provavelmente dois tipos de oposição. Por um lado, haverá uma aceitação mais ampla do determinismo. A maioria dos homens hoje se sente desconfortável em rezar pela chuva, em virtude da meteorologia; mas não sente tanto desconforto em relação a preces para um coração saudável. Se as causas de um coração sadio fossem tão conhecidas como as causas da chuva, essa diferença cessaria. Um homem que rezou por um coração saudável, em vez de chamar um médico para libertá-lo de maus desejos, seria qualificado de hipócrita, como se qualquer pessoa pudesse se tornar um santo ao pagar umas poucas libras a um especialista de Harley Street. É provável que a expansão do determinismo conduza a uma redução do esforço e um aumento geral da preguiça moral – não que esse efeito seja lógico. Não saberia dizer se isso seria um ganho ou uma perda, pois desconheço que outros benefícios ou prejuízos advêm do esforço moral aliado à falsa psicologia. Por sua vez, haveria uma emancipação do materialismo, tanto físico quanto ético; as emoções seriam consideradas mais importantes se constituíssem o tema de uma ciência reconhecidamente eficaz e prática. Esse efeito, creio, seria no conjunto salutar, visto que suprimiria as noções errôneas agora predominantes sobre o que constitui a felicidade.
No que concerne ao possível efeito da psicologia na mudança de nossa maneira de viver por meio de descobertas e invenções, não me aventuro a qualquer previsão, porque não vejo nenhuma razão para esperar um tipo de efeito mais do que outro. Por exemplo: é possível que o efeito mais importante seja ensinar os negros a lutar, assim como os homens brancos, sem obter quaisquer outros novos méritos. Ou, ao contrário, a psicologia pode ser utilizada a induzir os negros a praticarem o controle de natalidade. Essas duas possibilidades produziriam mundos muito diferentes, e não há maneira de imaginar se um ou outro, ou nenhum, serão criados.
Por fim: a grande importância prática da psicologia será a de oferecer aos homens e às mulheres comuns uma concepção mais precisa do que consiste a felicidade humana. Se as pessoas forem genuinamente felizes, não serão tomadas pela inveja, raiva e destrutividade. Exceto pelos itens de primeira necessidade, a liberdade sexual e a criação dos filhos são as questões mais relevantes – pelo menos para a classe média e para os assalariados. Seria fácil, com nosso saber atual, propiciar uma felicidade instintiva quase universal, se não fôssemos reprimidos pelas paixões malévolas daqueles que são infelizes e não desejam que ninguém seja feliz. Se a felicidade fosse comum a todos, ela se manteria preservada porque os apelos ao ódio e ao medo, que agora constituem quase toda a política, desmoronariam. Mas se o conhecimento psicológico for manipulado pela aristocracia, ele prolongará e intensificará todos os antigos males. O mundo é repleto de informações de toda espécie que poderiam suscitar essa felicidade como jamais existiu desde o surgimento do primeiro ser humano. Porém, antigos desajustes, ambição, inveja e crueldade religiosa bloqueiam seu caminho. Não sei qual será o resultado; contudo, penso que será melhor ou pior do que qualquer acontecimento que a humanidade já tenha vivenciado.